O deleite da literatura | Entrevista com Irka Barrios – Caixa-preta

A primeira entrevistada da Caixa-preta é a escritora Irka Barrios, mestre em escrita criativa (PUCRS) e autora do romance Lauren (Caos & Letras, 2019), finalista do Prêmio Jabuti 2020 e do livro de contos Júpiter Marte Saturno (Uboro Lopes, 2022). Para ela, um dos maiores aliados que quem escreve pode ter é o dicionário de sinônimos. E ela carrega consigo a uma “virtude insuportável”, a esperança.

Caixa-preta é um blog de entrevista com escritores e escritoras. E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.

Na sexta-feira, a cada quinze dias, uma nova entrevista.

O que a escrita causa em você?

A escrita me causa uma descarga de emoções diversas porque acabo depositando muito de mim no texto. Desconfio que não sou a única, todo mundo que escreve é assim. Mas emoção, mesmo, eu sinto quando leio um livro que me agrada. E é bem mais intensa.

Qual a maior aventura de uma escritora?

Boa pergunta. Acho que transformar uma imagem, pensamento ou situação em palavras, e encadear essas palavras num texto competente. Encaro como uma grande aventura.

Que livro você gostaria de ter escrito?

Posso ser bem presunçosa? “Pedro Páramo”

Que livro você jamais escreveria?

“A arte de ligar o foda-se” ou qualquer um que apresente as receitas de felicidade que todo mundo percebeu, menos você (o leitor, no caso).

O que ainda falta ser dito em literatura?

Quase tudo já foi dito. Mas há lacunas. Falta muito da versão feminina dos fatos. Falta a voz das mulheres. Não acho, entretanto, que isso seja uma barreira para autores homens. Não é o que dizer, mas a forma de dizer, o olhar. E isso nos leva a possibilidades infinitas.

Livro bom é…

aquele que gruda na minha cabeça e me faz reviver as cenas por muito tempo. O último que me nocauteou foi “Correntes”, da Olga Tokarczuk. Eu poderia passar noites em claro escrevendo cartas de amor à Olga.

Escritora é uma criatura…

buscadora, fascinada, com o olhar estranho e um tantinho antissocial.

A literatura serve pra quê?

Para nada. Penso que quem indica um livro porque o(a) autor(a) se preocupou com tais e tais questões retira mais da metade do prazer da leitura que é a fruição. Mas ok, não quero ser tão faca na bota. A literatura, como todas as artes, serve para estimular reflexão.

Qual o maior aliado de uma escritora?

O dicionário de sinônimos. E a tecla delete.

Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?

É a pergunta de um milhão de dólares. Na minha modesta opinião, o(a) escritor(a) ideal deve possuir uma característica imprescindível: a perspicácia.

Existe algo que não dá para ser dito com palavras?

Bom, vou falar por mim, ok? Nos momentos em que sou tomada por grande emoção, acho difícil encontrar palavras. Depois, quando tudo se acomoda, consigo colocar no papel. Mas leva tempo.

Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?

“Saia do meu sol” (hehehe)

E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?

Ah, não escreveria uma mensagem down, como essas sugestões que a gente vê por aí. Tentaria algo mais up, tipo: “quem ama é maioria” ou “amanhã a gente volta a sorrir”. Sim, sou romântica. E carrego esperança (essa virtude insuportável) na minha bagagem.

Qual a sua maior alegria ao escrever?

Quando eu finalizo um texto (conto, romance, artigo, crônica) sinto uma coisa louca, uma sensação de completude, de finalização. Adoro sentir isso. Por outro lado, quando o texto está pela metade, tudo é vazio. E ansiedade. É muito louca a sensação de perseguir algo que te causa sensações conflitantes e intensas.

Se você não pudesse mais escrever, o que faria?

Leria bem mais, o tempo todo. E contrataria alguém para anotar meus pensamentos.

A literatura em uma palavra.

Deleite.

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?

A escrita me ensina a ter paciência, respeitar os processos, o tempo, honrar quem me precedeu. Quando eu comecei a escrever, me achava a senhora das boas ideias. O trânsito na escrita me ensinou humildade. Acho que foi o mais importante.

O que faz você continuar escrevendo?

A busca. Não é algo que se coloca dentro de uma caixinha e se esconde no fundo do baú. A busca, a vontade de comunicar através de histórias, vai escapando pelas frestas e quando a gente menos espera está lá, chamando, enlouquecida. Às vezes penso que seria mais tranquilo se tudo se tratasse de uma escolha consciente.

Leia Irka Barrios