Mulheres nas livrarias | Entrevista com Bethânia Pires Amaro

 Foto: Melina Amaro Knolow

BETHÂNIA PIRES AMARO é graduada e pós-graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Pernambucana de nascimento e baiana de criação, mora atualmente em São Paulo. Apaixonada por literatura, tem diversos contos premiados em concursos nacionais. Seu conto “O adeus da eletricidade”, premiado no Concurso de Contos Maximiano Campos, foi traduzido para o alemão pela editora Arara Verlag. O ninho, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2023, é seu primeiro livro. Pode se encontrada no perfil @bethaniapiresamaro, no Instagram, onde fala de literatura

Para Bethânia, é um privilégio ser parte de uma comunidade escritora. Ela é grata “especialmente às autoras que vêm abrindo caminho para uma literatura feita por mulheres no Brasil”. Segundo ela, “há espaço para tudo na literatura”: diversão, inquietação, sensibilização.



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O que a escrita causa em você?

Escrever para mim é uma forma essencial de expressão, que me desassossega da melhor forma possível.

Qual a maior aventura de uma escritora?

Com certeza, terminar o livro. O processo de escrita, para mim, é um pouco sofrido, pela ânsia de expressar corretamente as ideias e conflitos que quero comunicar, pela necessidade de encontrar o tom da narrativa e as vozes das personagens, bem como pela própria dificuldade de encontrar tempo para a escrita no cotidiano. Mas, uma vez imersa na história, e atingido o ponto em que a escrita flui com mais intenção e consciência narrativas, a recompensa é maravilhosa: ter o livro como um conjunto de fotografias interiores que irão proporcionar determinada experiência ao leitor, e nos aproximar enquanto seres humanos.

Que livro você gostaria de ter escrito?

Tenho muitos livros de referência e autores cuja obra acompanho e admiro. Um dos livros recentes que li e que julguei extremamente bem executado foi “A cachorra”, de Pilar Quintana, que para mim exemplifica o quão longe uma linguagem objetiva e despretensiosa pode levar uma história, e o quanto a profundidade das personagens e de seus conflitos pode ser atingida com simplicidade e um direcionamento preciso da autora.

Que livro você jamais escreveria?

Penso que não escreveria livros de não ficção, não porque não os leia ou não goste deles, inclusive sou apaixonada pela leitura de biografias; mas porque é a ficção que me move e motiva o meu escrever.

O que ainda falta ser dito em literatura?

Essa é a pergunta maior de todo escritor ao abordar um tema de forma literária; penso que, como diz Socorro Acioli, a melhor saída é escrever o livro que somente nós podemos escrever. Desta forma a abordagem será específica o suficiente para se diferenciar de outros trabalhos.

Livro bom é…

Aquele que nos tira da zona de conforto, que nos desafia e nos inquieta, e desta forma permanece sempre conosco.

Escritora é uma criatura…

Necessária. A literatura feita por mulheres tem historicamente sofrido processos de marginalização, uma realidade que felizmente tem se modificado nos últimos anos. É muito importante que as mulheres ocupem mais espaços nas livrarias, nos eventos artísticos e nos painéis literários, para que possamos alcançar maior equidade nesse sentido. 

Qual o papel de uma escritora na sociedade?

As pessoas procuram coisas diferentes quando leem um livro, por isso penso que uma escritora pode assumir o papel que lhe pareça mais natural: pode escrever para divertir, para inquietar, para sensibilizar. Penso que há espaço para tudo na literatura.

Qual o maior aliado de uma escritora?

Para mim, outros escritores. É maravilhoso poder estudar e me inspirar nos autores que vieram antes de mim, bem como compartilhar alegrias e dores relacionadas ao processo de escrita com meus contemporâneos e estabelecer esta troca de ideias tão fundamental ao trabalho criativo. Considero um privilégio poder me sentir parte de uma comunidade escritora e sou grata especialmente às autoras que vêm abrindo caminho para uma literatura feita por mulheres no Brasil.

Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?

Nada será unânime e mesmo uma frase que me pareça ideal agora poderá não parecer mais em alguns anos. Penso que se a palavra causou uma reação no leitor, se o tirou do automatismo da leitura, ela cumpriu o seu papel.

O quê que não dá para ser dito com palavras?

Todas as grandes obras têm, de fato, um “je ne sais quoi” que nos atinge sem que possamos dizer que veio claramente desta frase ou daquele parágrafo, mas que é sentida com intensidade, como uma experiência. Ler se torna então parte da nossa vivência, de quem somos. Acredito que esta é uma sensação que se relaciona à nossa própria humanidade e que se constitui numa conexão difícil de descrever exatamente.

Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?

Por favor, não mude a regra quando eu mal acabei de entender como funciona a anterior!

E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?

Como gostamos de levar as coisas com bom humor, dizemos sempre na Bahia: “pense num absurdo: neste país tem precedente”!

Qual a melhor maneira de encarar a página em branco?

Com leveza e sem pressa. É preciso respeitar nosso próprio tempo interno e o tempo da história para uma escrita realmente significativa.

Qual a sua maior alegria ao escrever?

Quando encontro o tom certo de uma personagem ou de uma cena, em especial quando sinto que honrei os conflitos representados ali.

Se você não pudesse mais escrever, o que faria?

Voltaria a ser leitora em tempo integral. Já passei meses sem escrever ficção, mas penso que, desde que aprendi, nunca passei um único dia sem ler.

A literatura em uma palavra.

Força. 

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?

Humildade. Para cada dia bom de escrita, tenho vários dias ruins. É preciso amor e persistência para continuar escrevendo.

Qual sua definição de felicidade?

Um pouco como Cecília Meireles definiu a liberdade: essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.

O que faz você continuar escrevendo?

A vontade de estabelecer esta conexão tão especial com o leitor e de compartilhar minhas sensações e experiências para encontrar pessoas semelhantes. 

| Entrevista organizada ao som do disco Argus, de Wishbone Ash |


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3 comentários

  • Antonio Veloso Maia

    Uma jovem escritora. Uma estreia impressionante. Ela diz a coisa, e sabe dizê-la. Não leio tudo, mas há muito tempo não vejo alguém manejar as palavras assim. Sérgio Rodrigues, na orelha, disse quase tudo. Uma estreia para ser mantida sob amplo interesse.

  • kalorifer sobas?

    Keep up the fantastic work! Kalorifer Sobas? odun, kömür, pelet gibi yak?tlarla çal??an ve ?s?tma i?levi gören bir soba türüdür. Kalorifer Sobas? içindeki yak?t?n yanmas?yla olu?an ?s?y? do?rudan çevresine yayar ve ayn? zamanda suyun ?s?nmas?n? sa?lar.

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