
Escrever e depois | Entrevista com Altair Martins
Altair Martins (@altair_martinsescrita) nasceu em Porto Alegre, em 1975. Deu aulas no curso superior de Formação de Escritores da UNISINOS entre 2007 e 2010. É professor da PUC/RS, nos cursos de Escrita Criativa e Letras. Tem textos publicados em Portugal, Itália, França, Argentina e Espanha. Entre outros prêmios, ganhou o São Paulo de Literatura (2009, com o romance A parede no escuro) e o Moacyr Scliar (2012, com os contos de Enquanto água) e foi finalista do Jabuti quatro vezes.
Para ela, aventura mesmo “é conseguir ser editado, ser visto numa vitrina de livraria”. E segundo ele, a pergunta que todos que escrevem deveriam responder é esta: “você é mais ou menos inteligente que aquilo que escreve?”
Caixa-preta é um blog de entrevista com escritores e escritoras. E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.
Na sexta-feira, a cada quinze dias, confira uma nova entrevista.
O que a escrita causa em você?
A escrita me causa uma sensação paradoxal de sina e bênção. É sina, porque o pós-escrever sempre vem acompanhado de muitas frustrações, pois que compreende elementos que não domino: mercado, redes sociais, vendas, crítica, falta de crítica, descaso. É bênção, enfim, porque o ato da escrita, em si, é iluminador. Com 48 anos posso dizer que só me sinto feliz quando estou em processo de criação.
Qual a maior aventura de um escritor?
Eu diria que aventura mesmo é conseguir ser editado, ser visto numa vitrina de livraria. O resto não é aventura: seguimos firmes com a linguagem, como quem segue numa paixão. Só paixão explica amar e sofrer tanto por uma mesma coisa.
Que livro você gostaria de ter escrito?
Eu gostaria de ter escrito tantos livros, mas vou me concentrar e citar um: “As impurezas do branco”, de Carlos Drummond de Andrade. Sinto, cada vez que releio, que os poemas dialogam com o tempo do qual Drummond foi contemporâneo, mas também com o nosso. Essa mágica de ser contemporâneo de épocas que vão além de uma vida, isso de falar com o futuro, de continuar perguntando mesmo para pessoas que comem outras comidas e falam outra língua – isso só os livros clássicos alcançam.
Que livro você jamais escreveria?
Eu jamais escreveria um livro lindo de literatura infantil. Perdi a espontaneidade da minha criança, e isso me toca demais. É assim que, numa feira do livro, costumo fingir que avalio os livros infantis quando na verdade os estou lendo de graça. Mantenho uma inveja iluminada pelas pessoas que escrevem livros infantis.
O que ainda falta ser dito em literatura?
Bem, escrevemos pra dizer o que apenas nós poderíamos dizer. Mas, como estamos pasteurizados por meios de culturas que já colonizaram nosso inconsciente, temos a sensação de que nos repetimos – e se estamos nos repetindo, é preciso ficar um tempo em silêncio e ouvir o próprio sotaque. Nosso sotaque não encontra tradução. É a partir dele que podemos abrir o olho para o mundo: os temas (muitos deles urgentes), se ditos com a linguagem alheia, repetem-se.
Livro bom é…
um livro que incomoda, que nos troca o pé direito pelo esquerdo. Um livro assim se exige pouco veloz: ele retém o tempo, constituindo-se numa trava ideológica contra os imediatismos do mundo self. Livro que não nos deixa incomodados com nós mesmos (acho que isso é de Vieira) não cumpre seu dever.
Escritor é uma criatura…
de carne e osso, muitas contas pra pagar e geralmente com outra profissão.
Qual o papel de um escritor na sociedade?
Escrever e desaparecer ao máximo. Sei que isso vai contra a maré, mas escritor não é o gênio, aquela antena da raça que se elevava sobre os montes da civilização durante o Romantismo. Escritor não deveria (penso) ser influencer. Nem deveria ser candidato a nada. Porque quem escreve é simplesmente um artista (nem todos) que escolheu a palavra como forma de manifestação. É por isso que escritor deve estudar a língua, assim como um pianista estuda música. Mas parece que hoje isso cheira a opressão. Como diz um amigo músico: “hoje, desafinação é estilo”.
Qual o maior aliado de um escritor?
O silêncio, os livros, as caminhadas (trabalho de campo) e um caderno (escrevo à mão). Bons amigos, nossos protoleitores, também ajudam.
Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?
Não sei, nunca busquei isso. Também acho que nem Flaubert, que preconizou o termo, foi tão justo assim: aquele começo de Madame Bovary é arrastado demais…
O quê que não dá para ser dito com palavras?
Tudo pode ser dito com palavras, mas vê: dito, não realizado. As palavras são cheques ao portador. O equívoco é imaginar que produzimos um tipo de realidade, semelhante à realidade empírica, com o que escrevemos. Nananina. Com os poucos signifiquemas da nossa língua, produzimos uma realidade que só é convincente dentro da própria literatura – e é nela que tudo pode ser dito.
Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?
Eu diria que ele está se graduando em poesia: ela já traduz relativamente bem entre algumas das línguas mais acessadas. E, pelo visto, já escreve muito melhor que a média. Enfim, o homo sapiens é só um fóssil. Nossos livros já nasceram ultrapassados. Não teremos utilidade num futuro bem próximo: só a medicina e o pessoal da TI estão garantidos!
E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?
O Brasil é só um contorno. Não temos um país, se todos querem ir embora. Meu lema seria: “Brasileiros por enquanto” ou “Brasileiros até um visto”.
Qual a melhor maneira de encarar a página em branco?
A melhor maneira é esquecer essa coisa de buscar o que escrever e ler algo que preste. Pra que encarar a página em branco? Pra que escrever assim? Pensa nos épicos: um feito heroico corria o risco de desaparecer numa sociedade sem escrita. Assim, a Musa soprava no ouvido do aedo um canto, inspirando-o a cantar numa estrutura estética que, por encantadora, seria memorizada pelas demais pessoas. Um poema épico consistia de uma missão nobre: fazer que um grande fato não morresse num mundo baseado na oralidade. Foi assim que a Guerra de Troia chegou até nós. Então, se alguém precisa encarar a folha em branco é porque não tem nada que precise ser escrito. Vai pra casa, abre uma cerveja, tenta ler; se não der, vai ver tuas séries repetitivas e deixa os leitores em paz. Leitor não é psiquiatra.
Qual a sua maior alegria ao escrever?
Escrever. Depois vem a tristeza: não ter leitores, tentar enganar algum editor, algum livreiro e algum leitor. É isso. Me repito: só sou escritor sozinho. O resto é chato.
Se você não pudesse mais escrever, o que faria?
Escrever é pura vaidade. (Se alguém disser aí que muda o mundo, eu acho que qualquer outra coisa também muda, sem tanta frescura). Se eu não pudesse mais escrever, faria o que faço: continuaria a falar sobre os livros que leio, continuaria a lecionar, a cozinhar, a lavar louça, a pagar as contas. Enfim, parece, não parece, que isso de escrever virou agora uma moda?
A literatura em uma palavra.
A arte de potencializar a palavra
Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?
Aprendi que sou alguém menos inteligente do que aquilo que escrevo. (E conheço pessoas inteligentíssimas cuja escrita fica aquém do que são). Esta me parece ser a pergunta a que todos que escrevem deveriam responder: você é mais ou menos inteligente que aquilo que escreve?
Qual sua definição de felicidade?
Não ter nenhum compromisso burocrático na semana. Não ter que lidar com nenhum código de barras. Não ter que apertar nenhum botão, lidar com nenhuma plataforma prescindível do pessoal da TI. Por isso de felicidade é uma utopia. Daí chega a sexta-feira e bebo uma cerveja que, por alguns goles, se importa comigo e leio poesia.
O que faz você continuar escrevendo?
Teimosia ou burrice. Tem uma coisa sempre que me estala nos olhos ou nos ouvidos e eu penso: “tá vendo? tá ouvindo? só tu pode escrever sobre isso.” Daí escrevo sem pensar no que virá depois. E é bom mesmo que o depois nem venha.
Leia Altair Martins



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