Caixa-preta | Entrevistas com escritores

Uma voz sem medo | Entrevista com Monique Malcher

 Foto: Duda Viana

MONIQUE MALCHER é escritora e artista plástica nascida em Santarém, interior do Pará. Mestre em Antropologia (UFPA) e doutoranda interdisciplinar em ciências humanas (UFSC). Hoje reside em São Paulo. Tem um livro publicado chamado Flor de gume com edição de Jarid Arraes. O livro foi ganhador do prêmio jabuti de literatura 2021 na categoria contos. A escritora é a segunda do norte a ganhar um Jabuti no eixo literatura em 65 anos de premiação. Em 2023 o livro foi homenageado em Boston em eventos das bibliotecas Cambridge Public Library e Boston Public Library, além de ser tema de turmas de estudos de gênero em Harvard. Em 2025 publicará Degola pela Cia das Letras e em breve Flor de Gume será publicado em espanhol pela editora Fondo de Cultura Económica sediada no México. 

Para Monique, “a palavra também está na imagem, no silêncio, no ranger das coisas”. E segundo ela, “escrever não é estacionar na primeira ideia, pergunta ou resposta.”



Iscreva-se para acompanhar as entrevistas:

Join 5 other subscribers

O que a escrita causa em você?

Escrever me faz abraçar ódios individuais e coletivos. É o projeto político que me mantém afiada, que me faz um corpo inteiro faca para abrir o caminho mordaz dos dias em que as histórias de meu território que não foram contadas agora possam incomodar o sono dos algozes. Os mesmos que nos fizeram acreditar que mulheres e pessoas do norte precisavam de uma voz externa para seu derradeiro grito. Nunca precisamos que nos dessem voz, sempre tivemos uma. O que minha escrita faz é tentar ampliar o som dessas falas, que são também minhas. Não sou uma mulher que escreve, sou uma lâmina fazendo o trabalho de cortar o pedaço que não ousam tocar.

Qual a maior aventura de uma escritora?

Minha maior aventura sempre foi me manter focada na ideia de que escrevo o que escrevo não porque sou louca ou porque sou uma mulher além de meu tempo. Estou consciente que esse campo por muito tempo foi preparado para os homens brancos fechados em seus escritórios, mas relembro diariamente que minhas composições são de outra ordem, tem outro corpo… e por isso é mais fácil me jogar a ideia da louca que não sabe de onde veio e nem o que está fazendo. Minha maior aventura é ser a falha que constantemente dá certo e não ter medo das palavras que cavo, sigo com as unhas cheias de terra e disso me orgulho. Sou uma escritora agindo no meu tempo, nem antes e nem depois, sou o agora.

Que livro você gostaria de ter escrito?

Apenas os meus. Não tenho o desejo de escrever os livros de outras pessoas. Minha admiração se resolve lendo novamente as obras que me arrebatam ou indicando para outras pessoas lerem também.

Que livro você jamais escreveria?

Os que outras pessoas quisessem ou achassem mais adequado. No momento da criação tento me manter fiel ao meu trabalho de pesquisa e meus direcionamentos, vontades.

O que ainda falta ser dito em literatura?

Creio que tudo já foi dito, mas a beleza da criação literária e a importância dela é sabermos que tudo merece ser dito de outra maneira, com outra perspectiva.

Livro bom é…

aquele que desafia não só quem o lê, mas quem o escreve.

Escritora é uma criatura…

desobediente.

Qual o papel de uma escritora na sociedade?

Não posso falar qual o papel das pessoas, cada um deve achar e identificar o seu. Quanto a mim, sinto e sempre senti que é não me curvar para o que deseja me calar. Quando me calo deixo de mão o projeto político de estar junto com as pessoas lançando questões que são minhas também. Mais do que respostas, precisamos elaborar melhor as perguntas.

Qual o maior aliado de uma escritora?

A certeza de que escrever não é estacionar na primeira ideia, pergunta ou resposta. No meu caso os maiores aliados são minha raiva e a pesquisa.

Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?

Ainda não tenho certeza se essas coisas existem, o que existe é a persistência na busca, onde chego talvez não seja o ideal, mas sempre é o resultado do meu limite naquele tempo/momento. 

O quê que não dá para ser dito com palavras?

A palavra também está na imagem, no silêncio, no ranger das coisas. Então, acredito que tudo está ao alcance dela.

Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?

Absolutamente nada, não me pauto por ele.

E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?

Fomos destruídos e convivemos com isso.

Qual a melhor maneira de encarar a página em branco?

A página em branco só passa a não amedrontar quando entendemos que escrever não é apenas o momento em que estamos com nossas canetas ou computadores. Escrever começa muito antes, anotando ideias, guardando frases, não recriminando pensamentos que pareçam bobos ou tabus, na pesquisa, na conversa com as pessoas, na observação infinita do mundo ao redor. Quando sento para escrever já estou escrevendo faz um tempo. Leio minhas anotações, recorro aos meus desenhos e gravações. Nunca mais tive medo da página em branco, para mim ela não existe.

Qual a sua maior alegria ao escrever?

O momento em que durante uma sessão de escrita percebo que estou em uma espécie de transe. Consigo sentir que estou exatamente no cenário e vendo a sombra de meus personagens, como se eles estivessem sempre correndo de mim. Existe um prazer nessa tentativa de capturar rostos e perceber que quem foi capturada foi eu. Também me causa alegria quando escrevo um trecho difícil e ele me faz chorar ou rir, lembro que a emoção que crio também me encontra.

Se você não pudesse mais escrever, o que faria?

Poder é diferente de querer. Se eu não pudesse mais escrever certamente me mataria, sem drama nisso. Não faria mais sentido estar aqui. Escrever não é apenas meu trabalho, é o que me forma o osso, a cartilagem, os fios.

A literatura em uma palavra.

Teimosia.

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?

Que é possível entrar no sentimento mais inesperado, tanto o meu quanto dos outros.

Qual sua definição de felicidade?

Observar o mundo com o olhar da cunhatã que fui e sou.

O que faz você continuar escrevendo?

Diferente do cansaço de Sísifo, que rola a pedra até o topo da montanha e quando chega lá recomeça o trabalho… me anima escrever de novo e de novo, pois sempre chego em outro lugar.

*Entrevista organizada ao som do disco David Gilmour at Pompei, de David Gilmour.


Leia Monique Malcher

Leave a Reply


Inscreva-se e acompanhe os textos, vídeos e entrevistas

Join 5 other subscribers

Acompanhe-me nas redes sociais


Leia mais:

Leave a Reply