Poesia: sei e não sei o que é | Entrevista com Mailson Furtado

MAILSON FURTADO (@mailsonfurtado) é cearense. É autor das obras à cidade [vencedora do Prêmio Jabuti 2018 – categoria Poesia e livro do Ano], passeio pelas ruas de mim [e de outros], Tantos Nós e ele. Em Varjota|CE, cidade onde sempre viveu, fundou a CIA teatral Criando Arte, em atividades desde 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, além de produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Graduado em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará, possui obras publicadas em jornais, revistas e antologias no Brasil e Portugal e mais de 10 textos encenados no teatro.

Mailson acredita que, com o trabalho do poeta e do escritor, “a sociedade não possui o direito de se pôr velha”. E para ele, “Há coisas que realmente não se precisam dizer para ser.”



O que a escrita causa em você?

Causa a oportunidade de caber e descaber, ser o já não ser, desviando todos os apegos possíveis e protocolares do viver em linha reta. 

Qual a maior aventura de um escritor?

Relacionar dizeres. Não seria este o maior experienciar para o inventar? O escrever não seria também isso: o lutar contra o que ainda não veio? Dizer de novo um mesmo dito para que de novo este se possa dizer?

Que livro você gostaria de ter escrito?

O livro que eu gostaria de ler.

Que livro você jamais escreveria?

O livro que estivesse mais preocupado em explicar do que provocar.

O que ainda falta ser dito em literatura?

Nada. O que salva é que tudo pode ser dito de novo, quando vencido, o avesso põe-se em prova.

Livro bom é…

Tendo o ofício de escritor, livro bom é aquele que me dá raiva de não ter escrito.

Escritor é uma criatura…

…que não sabe o que quer. Ora inventa, ora desinventa. 

Qual o papel de um escritor na sociedade?

Diria Nicolas Behr que seria o A4, mas eu gosto bem mais de cadernetas, de preferência do papel mais vagabundo possível. Desviando as brincadeiras, diria que seria encrencar com o mundo. Fazendo isso, a sociedade não possui o direito de se pôr velha.

Qual o maior aliado de um escritor?

A teimosia.

Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?

Errando.

O quê que não dá para ser dito com palavras?

A poesia, no geral, é uma dessas coisas, embora sigamos a teimar para desvendá-la, e vez por outra consiga ser dita. Mas segue em embaço, daí uma das esperanças do ato da escrita. Parafraseando Santo Agostinho ao dizer do tempo, digo sobre poesia: se ninguém me pergunta, eu sei, se quero explicá-la a quem me pede, não sei.

Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?

Que não se iluda, pois a poesia ainda consegue o engabelar.

E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?

Eu não mudaria, na verdade eu tiraria todo e qualquer dizer. Não consigo enxergar um país da dimensão e diversidade do Brasil castrado a uma frase pra enunciá-lo. É de uma pequenez assombrosa. Há coisas que realmente não se precisam dizer para ser. O Brasil é uma delas.

Qual a melhor maneira de encarar a página em branco?

Sentir raiva. Uma bom exercício é perguntar quem vencerá dessa vez. Se nada caminhar, o bom e velho cearensês ajuda: mande-a pra baixa d’égua.

Qual a sua maior alegria ao escrever?

Ter a certeza que após uma nova frase, o mundo, sim, era menor.

Se você não pudesse mais escrever, o que faria?

Não queria ser romântico sobre o assunto, mas o destino que tomei pra vida nas últimas décadas é incontornável sem o escrever. Sem a escrita seria um outro viver. Já não sei. Antes de escrever, eu jogava botão, é a outra vida que lembro, é a única coisa que me vem à cabeça sobre. É o que faria talvez.

A literatura em uma palavra.

Outrem.

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?

A ler.

Qual sua definição de felicidade?

Mergulhar em um mês enxuto no rio Acaraú.

O que faz você continuar escrevendo?

Seguir a ser menino.

| Entrevista organizada ao som do disco Back to the river, do Susan Tedeschi |


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