
Na pele do outro | Entrevista com Maria Fernanda Elias Maglio
Foto: Pedro Abude
Segurança, serenidade e leveza. Qual desses atributos combina melhor com a morte? Nenhum? Pois foi assim, de forma segura, serena e leve, que a escritora convidada de hoje falou sobre a morte, um dos temas mais presentes na sua literatura. Maria Fernanda Elias Maglio, falando e escrevendo, trata de grandes temas, como a morte, com uma lucidez e uma propriedade surpreendentes.
No seu romance Você me espera para morrer? (Patuá, 2023) @editorapatua, a escritora e defensora pública Maria Fernanda Elias Maglio (@mariafernandaeliasmaglio) mostra, de forma ao mesmo tempo lírica e cruel, as diversas maneiras de a morte se manifestar na nossa vida.
Na nossa conversa, falamos também sobre construção de personagens fortes, o poder da literatura para se colocar no lugar do outro, prêmios literários e muito mais. Vele muito ler até o final.
Caixa-preta é um site de entrevista com escritores e escritoras. E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.
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A morte, aos poucos, vai se fazendo cada vez mais presente no romance Você me espera para morrer?, desde a proposta que uma irmã faz a outra, pedindo pra esperá-la para morrerem juntas, passando pelo desejo de Ilana de que o pai morra, até a morte de todos parentes de Ilana. A morte é um tema forte para você como escritora?
Eu acho que a morte talvez seja um grande tema da minha literatura, eu cada vez mais percebo isso, tanto na prosa quanto na poesia, que são aqueles temas que perseguem a gente, que não é a gente que procura, eles simplesmente aparecem, mesmo quando a gente não quer que eles apareçam. Mas eu acho que a morte é uma reflexão não só da minha literatura, mas acho que da maneira como eu levo a vida, a morte me assombra e ao mesmo tempo me fascina. e ela dá o tom pra maira como eu levo a minha vida.
Porque a morte é o grande mistério, assim, acho que não tem quem não olhe pra esse abismo do que é a morte, da possibilidade, da possibilidade não, da certeza da morte. E não se espante com isso. Então eu acho que, de alguma forma, a morte, ela pauta a maneira como eu vivo.
“A morte talvez seja um grande tema da minha literatura. Ela assombra e fascina, e dá o tom da forma como levo a vida. É o parâmetro que me lembra da leveza e da realidade das coisas.”
Maria Fernanda Elias Maglio
E eu tento viver de uma maneira leve e ser alegre, acho que eu tenho uma alegria por natureza, uma coisa que é minha, mas que tem a ver com essa perspectiva da morte, com essa certeza da morte. Porque às vezes eu estou preocupada com alguma coisa boba, aborrecida com alguma coisa boba, e aí a morte é o parâmetro.
Eu penso assim, bom, mas essa pessoa com quem eu estou aborrecida, mas de quem eu gosto tanto, vai morrer, e eu vou sofrer tanto quando ela morrer. E isso deixa tudo mais leve. Eu consigo colocar as coisas numa perspectiva um pouco mais real. E ao mesmo tempo a minha própria morte. Eu fico pensando, bom, mas não vou me aborrecer tanto com uma coisa tão boba, ou não vou ficar encucada com coisas que depois, quando você pensa na morte, essa perspectiva da morte, as coisas tomam uma proporção mais real, uma proporção menor do que de fato a gente está percebendo.
Alguns filósofos, como Montaigne, dizem que filosofar é aprender a morrer. Você acha que a literatura também ensina a morrer?
Acho que sem dúvida. Acho que a literatura ensina não só a morrer, mas ensina a viver, ensina a sofrer, ensina a amar. E tudo isso sem que ela precise ensinar nada.
Eu não acredito que a literatura tenha uma função ou tenha que ter uma função. Na verdade, função a literatura tem um monte, propósito ela tem um monte.
A literatura serve para muitas coisas. Mas o que eu não acredito é que a literatura tenha que servir para alguma coisa, o que é diferente. Ela serve para muita coisa, mas não tem que servir para nada, porque a literatura é arte. O sentido dela está nela mesma. A literatura se basta, a arte se basta.
“Para construir um personagem forte, é preciso nuance. Um personagem não pode ser só bom ou mau; ele precisa mostrar sua humanidade, refletir a complexidade da vida real.”
Maria Fernanda Elias Maglio
Se a gente coloca um sentido externo à arte e à literatura, a gente está criando uma função utilitária para aquilo. A literatura não precisa servir para nada e, apesar disso, ela serve para muita coisa. E serve para que a gente aprenda, sim, a morrer. Porque a literatura faz com que a gente experimente.

Eu acho que não tem exercício de alteridade melhor do que ler um livro. E uma leitura honesta, se entregando para aquilo, entendendo aquilo, conseguindo ver a semelhança, conseguindo se integrar naquela história.
Acho que não tem nada mais poderoso do que esse exercício de alteridade, que acontece não só com a literatura, mas com outras artes também, quando você vê um filme e tal, mas na literatura talvez seja ainda mais forte, porque você passa muito tempo com aquele personagem. Então, é como se você conseguisse experimentar mesmo a pele do outro através dessa leitura.
Uma das partes que mais chamam a atenção em Você me espera para morrer? é a construção da voz das crianças, que, entre outras coisas, mostra percepção infantil sobre a morte. Como foi trabalhar a construção da voz das personagens crianças?
Então, é engraçado que essas personagens crianças, elas só aparecem através do narrador em terceira pessoa. Não tem propriamente uma construção de uma voz de uma criança, porque as entradas, elas não são em primeira pessoa, elas são em terceira pessoa.
Mas eu entendo totalmente essa sua pergunta, porque é um narrador em terceira pessoa, tão onisciente em relação à Ilana e tão colado lá. com tantas entradas de discurso indireto livre, de fluxo de consciência, que é uma voz. Apesar de ser uma narrativa em terceira pessoa, tem ali uma construção de uma voz de criança. Então consigo entender completamente essa sua pergunta.
“Será que bicho cansa, Line, de ficar vivo? Será que sapo se afoga em brejo de propósito, passarinho para de bater asa com a intenção de se esborrachar no chão, galinha pia até a garganta estourar, será que besouro deita de barriga pra cima pra nunca mais conseguir voltar, será, Line?”
Trecho do romance Você me espera para morrer?
Eu acho que foi de uma maneira natural. Se quando a gente lê, a gente faz esse exercício de alteridade, de você experimentar o corpo do outro de alguma forma, a gente também faz isso enquanto escreve. A gente faz esse exercício de alteridade, de se transportar para o outro, de experimentar o corpo do outro, a perspectiva de mundo do outro.
E acho que foi um pouco isso, acho que um pouco da recordação da minha própria infância. Mas o que, em alguma medida, eu acho que sempre quando eu escrevo, ainda que eu não escreva sobre a infância, é para lá que eu volto, é para esse campo da infância.
E acho que não é por acaso, porque acho que a infância é o período inaugural de tudo. Quando a gente vê e experimenta e ouve tudo pela primeira vez. E fazer literatura é isso. É você resgatar esse sentido inaugural das coisas. Então, eu acho que é para lá que eu volto, é para a infância que eu volto. quando eu escrevo, independentemente do que eu escrevo.emoções, de variadas emoções, e poder vivê-las com uma inteireza me parece ser algo muito maduro.
“Acho que sou feito de uma carne que não fala, nem meu estômago ronca, Line”
Trecho do romance Você me espera para morrer?
Mas em especial, acho que para a construção das meninas, da Ilana, que é quem tem essa voz narrativa ali mais forte, eu acho que foi esse regresso para a infância, de lembrar da minha infância e de como eu vivia ali dentro da minha cabeça e como eu pensava muitas coisas que eu não falava para ninguém. Eu acho que foi um pouco esse exercício de alteridade, de dar espaço para essa personagem, porque o que eu sinto é que quando a gente escreve, se a gente não dá espaço para o personagem e fica muito ocupando a gente como escritor, como escritora, a gente fica muito ocupando esse espaço, sem dar espaço para o personagem, é o risco da gente criar uma voz artificial.
É como se o escritor, a escritora tivesse que sair de cena para deixar o personagem entrar. E isso muitas vezes é difícil, porque tem todas essas vaidades intelectuais que a gente quer aparecer. E não é a gente quem tem que aparecer, é o personagem, é a personagem.
Em Você me espera para morrer?, o pai da Ilana e da Aline é um homem odioso. Quem já leu sabe porque. O que você acha que é necessário para construir um personagem que desperta sentimentos fortes nos leitores?
Acho que você só consegue construir um personagem forte, seja um personagem que cause aversão ou admiração no leitor, você só consegue isso quando você dá nuance, quando você dá humanidade para o personagem, quando você foge do maniqueísmo.

Seja ele um personagem de bom ou mau caráter, você precisa dar nuance. Esse personagem tem que ter carnadura, ele tem que se parecer o máximo possível com o que é real. E a gente, todos nós, a humanidade toda, a gente não é um só bom, um só mal, a gente não é, a gente não tem só beleza, a gente tem a feiura, a sombra, e acho que isso aplica para os personagens também.
O pai, que é um personagem odioso mesmo, ele tem nuance. Quando a filha vai embora, quando a Ali vai embora, que ele chora, que ele tem ali remorso, que ele tem culpa, ou quando ele tá morrendo e aí ele chama a Ilana. São momentos de nuance. São momentos em que esse personagem, ele mostra a humanidade dele. Ele é odioso, sim, ele é um personagem nocivo. Mas ele não é só isso, ele tem uma dimensão humana.
O último conto de do livro Enfim, imperatriz, publicado em 2017, são cartas de Ilana para a Irmã Aline, ambas personagens centrais de Você me espera para morrer?, publicado em 2023. Quando e como essas personagens surgiram? E como é conviver com certas personagens por tanto tempo, quando se escreve um romance, por exemplo?
Em geral, quando eu escrevo um conto, o processo da escrita do conto, eu fico muito envolvida com os personagens, com o enredo, mas quando eu termino de escrever o conto, depois de alguns dias, ou de algumas semanas que seja, envolvida com aquele universo, para mim é como se encerrasse e eu tenho uma vontade de partir para uma outra história, que eu acho que essa é uma coisa legal de conto.
Porque você vai mudando de universos no romance você fica muito tempo em um universo só mas em geral o que acontece comigo na produção de contos é que eu encerro aquela imersão, ela aconteceu durante um tempo e depois eu não volto a pensar nos personagens, não volto a ficar refletindo sobre eles.
“Os prêmios são faróis, mas não definem a qualidade de um livro. A alegria ou a tristeza de ganhar ou perder pode atrapalhar o fazer literário, que é o que realmente importa.”
Maria Fernanda Elias Maglio
E o que aconteceu com “Cartas à irmã” foi que essas personagens, em especial a Ilana ela não me abandonou, ela continuou comigo eu escrevi eu lancei o Enfim imperatriz em 2017 e vira e mexe eu pensava na Ilana e pensava como uma pessoa o que aconteceu com ela o que será que aconteceu com ela e eu acho que eu tenho um processo criativo que eu só consigo saber o que acontece se eu escrevo porque eu não faço previamente uma estrutura do enredo.
Eu não sei para onde a história vai, a não ser que a história esteja sendo escrita, porque é um processo criativo que se dá pela linguagem, não pelo enredo. E eu acho que eu comecei a escrever um pouco sobre a Ilana depois de terminar esse conto “Cartas à irmã”, para que eu pudesse descobrir o que que aconteceu com a Ilana, o que que aconteceu com a Ali.
Acho que partiu de uma curiosidade minha como leitora. como primeira leitora, e de ficar refletindo sobre isso, que veio essa vontade de escrever o romance sobre elas. A princípio seria um romance epistolar, eu continuaria escrevendo essas cartas, que são os capítulos que ela escreve naquele diário para essa irmã que nunca voltou e que nunca vai ler. Mas aí eu fiz umas experimentações em terceira pessoa, pensando nesse recorte das idades das meninas e aí daí surgiu esse romance.
O seu trabalho como defensora pública, atuando na defesa de pessoas pobres em cumprimento de pena, influencia de algum modo na sua escrita?
Eu costumo dizer que eu acho que o trabalho da defensoria pública influencia não só a minha escrita, a maneira como eu faço literatura, mas a minha vida toda. Porque dificilmente eu teria acesso a um universo que eu tenho acesso como defensora pública se eu não fosse defensora pública.
Sendo uma mulher de classe média e não circulando por esses espaços e essas narrativas e essas histórias que eu vejo enquanto defensora pública, de pessoas que estão cumprindo pena, que cometeram crimes, às vezes uma condição de miséria, de grande miséria, de muitas privações.

Então isso influencia na minha vida toda, na maneira como eu enxergo o mundo, nos meus posicionamentos filosóficos, nos meus questionamentos filosóficos, nos meus posicionamentos políticos. Acho que a defensoria pública está toda permeada na minha vida toda. E na literatura não é diferente.
A minha literatura é conhecida como uma literatura violenta. Acho que seria um caminho fácil eu colocar isso na conta do meu trabalho como defensora pública, como defensora pública criminalista.
Mas eu acho que é mais que isso. Acho que o meu interesse pela violência, pelo crime, ele antecede até a escolha dessa defensoria pública criminalista, eu poderia trabalhar em diversas áreas da defensoria pública e eu escolhi exatamente essa, porque acho que eu tenho interesse pela criminalidade, pela violência, por esse ser humano aí em estado bruto, não polido, acho que talvez este seja meu grande interesse, na vida e na literatura, acho que isso fica muito evidente.
Mas eu acho também que a defensoria pública, e aí independentemente da área criminal ou não criminal, ela traz uma coisa que a literatura também traz, e aí tanto o fazer literário quanto o ler, que é esse exercício de alteridade.
A defensoria pública te obriga a fazer esse exercício de deslocamento do eu para tentar experimentar um pouco do sofrimento do outro, da dor do outro. que não é um mecanismo, um deslocamento fácil, mas que é essencial para você conseguir desempenhar o trabalho. E isso me ajuda muito, isso me torna uma escritora melhor. E talvez ser escritora, não sei se ser escritora me torna uma defensora pública melhor, mas certamente ser defensora pública me torna uma escritora melhor.
Seus livros já foram vencedores e finalistas de importantes prêmios literários. O livro de contos Enfim, imperatriz venceu o Prêmio Jabuti em 2018. O livro de poemas 179. Resistência venceu o Prêmio Biblioteca Nacional em 2020, o livro de contos Quem tá vivo levanta a mão foi finalista dos prêmios Candango e Oceanos em 2022 e o romance Você me espera para morrer? venceu o Edital PROAC. Como você enxerga os prêmios na vida de quem escreve literatura no Brasil?
Eu acho que os prêmios são fantásticos essa função de levar os livros para lugares em que ele não ocuparia não fossem os prêmios. Então certamente eu consegui furar minha bolha de leitores, ampliar minha bolha de leitores com os prêmios, porque são muitas publicações e isso é muito bom, é muito bom que esteja assim, que muitas publicações, muitas editoras pequenas, independentes, muita coisa circulando, mas os prêmios acabam sendo uma espécie de farol.
As pessoas olham para aqueles livros que ganharam os prêmios e vão se interessar, e assim a gente conquista mais leitores. Mas os prêmios têm um caráter perigoso também, porque é tão perigoso ganhar quanto perigoso perder, porque o perigo é o escritor, ele se pautar pelo prêmio, ele acreditar que aquele livro que ele escreveu é melhor porque ganhou um prêmio ou que o livro é pior porque não ganhou um determinado prêmio.
Porque o livro, ele vai ser sempre o livro, o prêmio não deixa o livro melhor e a ausência do prêmio não deixa o livro pior. Então eu acho que o escritor tem que ter isso em mente, tanto quanto ganha, tanto quanto perde.
Eu acho que a alegria de um prêmio é muito grande, eventualmente a tristeza também, quando se tem uma expectativa do livro estar numa determinada lista de finalista e tal, mas na alegria, na tristeza, ela deve ultrapassar um determinado período ali seguro, porque essa alegria de se ganhar e a tristeza de se perder, as duas prejudicam o fazer literário, a escrita literária. que é no fim o que importa.
Qual conselho você poderia tirar da sua caixa-preta de escritora para dar aos que lêem essa entrevista e que também escrevem ou querem escrever?
Eu acho que a melhor coisa que se pode fazer, quem escreve ou quem quer escrever, é acessar a sua própria caixa preta. Não ter medo de enfiar a mão nessa caixa preta, que a gente nem sabe o que tem, e puxar, e puxando as coisas dali, e escrevendo sem nenhum tipo de censura, não escrever pensando em quem vai ler, e o que vai achar, e se vão gostar.
Escrever da maneira mais honesta possível, com uma mão no teclado e a outra na caixa preta, porque aí você vai ter uma literatura mais honesta possível com você e com o mundo, e quanto mais você falar de você, dessas suas questões internas, dessa caixa preta, ainda que você não esteja escrevendo autoficção, mais você vai falar com o mundo.
A literatura não é genérica, porque a vida não é genérica. Então a gente tem que partir da gente, das coisas mais específicas que a gente tem, emprestando para os personagens, porque assim a gente consegue acessar muito mais leitores.
Vai ser muito mais fácil leitores se identificarem com a tua história, se ela não for genérica, se ela for específica. Eu digo assim que outros escritores, outras escritoras, sempre vão poder escrever a mesma história que eu escrevi melhor que eu, mas nunca como eu, e acho que essa riqueza do que eu escrevo, só eu posso escrever, ainda que possa escrever melhor ou pior, essa especificação do que só eu posso fazer, acho que esse é o grande trunfo do fazer literário, acho que é isso que os escritores e as escritoras devem procurar explorar. essa especificidade, isso que torna cada um que escreve único.
| Entrevista organizada ao som do disco Until All the Ghosts Are Gone, de Anekdoten |
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4 comentários
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maurodonatodc962b7e1e
Maria Fernanda é exímia no trato com a crueza da vida real. É uma excelente escritora, já referência na contemporaneidade, citada por muitos, e nem por isso sobe nos tamancos. Gentil e modesta como raramente vemos por aí. Ótima entrevista.
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paulohenriquepassos
Verdade, Mauro! Essa junção de excelência no trabalho literário e modéstia e acessibilidade é rara é admirável.
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